27/10/2015

Déjà vu

Este fim-de-semana fui tia. Seguindo a tradição da família, o meu sobrinho decidiu apresentar-se ao mundo com oito semanas de antecedência. Mãe e filho estão bem, ainda que ambos a recomporem-se do choque e a adaptarem-se a este cenário tão anti-natural.

Nesta altura, a mãe devia estar com o bebé nos braços, a amamentá-lo... Os dois travando mútuo conhecimento do cheirinho e formas de cada um. Ao invés, ela está num quarto de hospital longe do filho, que ainda se encontra a crescer na incubadora, sem lhe conhecer o choro nem o olhar, sem saber o que lhe está a acontecer, sem lhe poder vigiar o sono e perdendo toda aquela magia do primeiro toque. Ao invés, é espremida a cada duas horas para ver se já tem leite. Ao invés, está deitada, mal se conseguindo mexer, porque se sente como se um camião lhe tivesse passado por cima.
Assim, de repente, foi-se o "brilho" da gravidez e a luz de ser o foco das atenções. Agora, todas as perguntas se centram no bebé e ninguém parece querer saber da mãe oleosa, pálida e com olhar tristonho, que nem sequer parece feliz com o nascimento do filho que mal viu.

Por ter passado pelo mesmo, foi para mim que minha cunhada ligou quando lhe romperam as águas. Fui eu que tive a missão de lhe dizer que, no meio daquele pesadelo, depois de todo o inevitável sofrimento, tudo ia correr bem e valer muito a pena.
Na manhã após o parto, levei-lhe blush e perfume para que ela se sentisse mais bonita quando fosse conhecer o filho, lembrando-me do bem que me senti quando, na mesma situação, tive a minha mãe a arranjar-me as sobrancelhas após dez dias de internamento. Futilidade, poderão alguns pensar. Mas não.

Para quem ainda pensa que cesariana é coisa para mulheres fracas, fiquem sabendo que ter a pele e os órgãos cortados, gente a remexer-nos nas entranhas, espremendo e puxando a placenta, puxando-nos consecutivamente a barriga de um lado para o outro de forma a conseguir retirar a criança lá de dentro não é uma sensação propriamente agradável. Tal como não é estarmos duas ou três semanas a uivar por causa da dor na sutura, de cada vez que nos erguemos (que é, basicamente, a toda a hora). Sim, a cesariana é dolorosa e o tempo de recuperação torna complicado cuidar de um bebé, quanto mais de nós mesmas. Por isso, não é futilidade apreciarmos que nos arranjem as sobrancelhas, coloquem um pouco de blush e nos penteiem o cabelo emaranhado num nó em forma de touca, para que nos sintamos um pouco melhor.

Que bem sabe ter quem nos pergunte como estamos, sem querer apenas escrutinar os pormenores do parto, e nos acarinhe com beijos e festinhas, por oposição ao constante pica aqui, apalpa ali, vira para acolá, arranca daí, que médicos e enfermeiros nos fazem, como se o nosso corpo não tivesse dono.
E agora começa a saga das perguntas, em forma de acusação, sobre a amamentação... Se o fazes ou não e porque não, ou porque não tentas mais, e vais acabar por conseguir, até vais gostar, e tudo pelos nossos filhos, ou queres ver que tu não és uma dessas mães altruístas que fazem tudo pelo bem do teu filho, incluindo forçar a produção de leite que o teu corpo não faz?!

Todas as mulheres, mães ou não, têm uma opinião, e nem todas a sabem guardar sabiamente para elas. Esquecem-se que quem manda no nosso corpo e vontade, assim que temos alta do hospital, somos nós e isso dá-nos o direito e o dever de assumir as melhores escolhas (incluindo as que nos são impostas pela natureza). E que ninguém duvide que o faremos.

Por isso, minha querida A., ainda que hoje tudo te pareça um injusto castigo, um dia vais perceber que não foi mais que uma lição que tu precisavas de aprender para descobrires em ti a força que desconhecias ter.
Está tudo a correr tudo bem. E nunca te esqueças: os milagres acontecem! ;)

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