08/10/2015

8 e 80


A internet está cheia de maravilhosos textos sobre a maternidade que vendem o conceito de ser mãe como algo de inexplicavelmente mágico e gratificante. Quanto ao tema, eu nada consigo acrescentar porque ser mãe é, de facto, tudo isso. Mas não só.
O que a maioria dos textos não fala e a maior parte das mães não expõe é que a maternidade nos torna um pouco bipolares.
Já se sabe que, na gravidez, parte significativa dos nossos neurónios migram sabe-se lá para onde (esperemos que seja para o bebé), e ficamos meias "lerdas", com uma lentidão de raciocínio e reação que nem nos reconhecemos.
Depois, com o nascimento dos nossos filhos, os neurónios demoram a regressar (e nunca em igual número relativamente aos que partiram) e penso que seja aí que ocorre o fenómeno que eu chamo 8 e 80.

Tudo começa ainda no berço quando, à noite, o bebé te acorda de três em três horas para mamar, e tu, enquanto lutas para abrir os olhos e te levantares, amaldiçoas o dia em que quiseste ter filhos. Dois segundos a seguir, estás de ar embevecido, a olhar para a melhor decisão da tua vida com um amor imenso a brotar-te do peito.

Mais tarde, é com a alimentação. Num momento estás empolgada, porque o teu filho vai começar, finalmente, a comer sólidos, e no outro estás toda encharcada em sopa e desesperada porque o o raio do miúdo não ingere uma única colher e já antevês tempos difíceis.

Ou quando, já com a cria na creche, estás ansiosa a contar os segundos para a ir buscar, vais a abrir pelo trânsito, chegas esbaforida, mas feliz à escola para a abraçar e matar as imensas saudades e a criatura quase que te ignora, preferindo continuar a brincar do que ir contigo para casa enterrar-se no teu esfomeado abraço.

E as vezes em que ralhaste severamente com o miúdo porque, mais uma vez, ele não arrumou o quarto, deixou tudo de pantanas depois de lhe teres dito umas 30 vezes para arrumar aquela confusão. Ainda estás tu com o ritmo cardíaco acelerado de te teres irritado e, logo a seguir encontras, perdido no meio da tralha, um desenho que ele fez sobre ti, toda envolta em corações e arco-íris. E o coração quase pára.

Ainda ontem tive de castigar o meu filho, porque agora à hora do jantar, dá-lhe sempre para fazer uma mise en scène em que se finge quase adormecido à mesa (quando há um minuto estava aos pulos no sofá) a ver se se escapa ao prato da refeição. Disse-lhe "muito bem, tens sono então vais já para a tua cama dormir. Não precisas de comer mais, lavas os dentes e deitas-te. Mas, claro, que hoje não brincamos nem há história". E, então, começa uma enorme birra, na qual eu também entro, serenamente firme na minha decisão. Ele chora compulsivamente, pois quer a história e eu permaneço irredutível, mas com o coração a latejar de dor. E assim que ele adormeceu, ainda de lágrimas no rosto, chorei também.

É assim, do 8 ou 80. Num minuto estás fula da vida com a tua criança e, no seguinte, estás de coração derretido por ela. Ou o contrário, num momento estás a transbordar de um amor que quase te sufoca, e imediatamente depois sentes-te despedaçada com algum gesto mais ingrato. 
Nestas oscilações, o nosso pobre coração de mãe fica, obviamente, meio esquizofrénico, não há hipótese... O que vale é que o Amor (quase) tudo cura. Isso ou Valium.

N.

 

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