A internet está cheia de maravilhosos textos sobre a
maternidade que vendem o conceito de ser mãe como algo de inexplicavelmente
mágico e gratificante. Quanto ao tema, eu nada consigo acrescentar porque ser
mãe é, de facto, tudo isso. Mas não só.
O que a maioria dos textos não fala e a maior parte das mães
não expõe é que a maternidade nos torna um pouco bipolares.
Já se sabe que, na gravidez, parte significativa dos nossos
neurónios migram sabe-se lá para onde (esperemos que seja para o bebé), e
ficamos meias "lerdas", com uma lentidão de raciocínio e reação que
nem nos reconhecemos.
Depois, com o nascimento dos nossos filhos, os neurónios
demoram a regressar (e nunca em igual número relativamente aos que partiram) e
penso que seja aí que ocorre o fenómeno que eu chamo 8 e 80.
Tudo começa ainda no berço quando, à noite, o bebé te acorda
de três em três horas para mamar, e tu, enquanto lutas para abrir os olhos
e te levantares, amaldiçoas o dia em que quiseste ter filhos. Dois segundos a
seguir, estás de ar embevecido, a olhar para a melhor decisão da tua vida com
um amor imenso a brotar-te do peito.
Mais tarde, é com a alimentação. Num momento estás
empolgada, porque o teu filho vai começar, finalmente, a comer sólidos, e no
outro estás toda encharcada em sopa e desesperada porque o o raio do miúdo não
ingere uma única colher e já antevês tempos difíceis.
Ou quando, já com a cria na creche, estás ansiosa a contar
os segundos para a ir buscar, vais a abrir pelo trânsito, chegas esbaforida,
mas feliz à escola para a abraçar e matar as imensas saudades e a criatura
quase que te ignora, preferindo continuar a brincar do que ir contigo para casa
enterrar-se no teu esfomeado abraço.
E as vezes em que ralhaste severamente com o miúdo porque,
mais uma vez, ele não arrumou o quarto, deixou tudo de pantanas depois de lhe
teres dito umas 30 vezes para arrumar aquela confusão. Ainda estás tu com o
ritmo cardíaco acelerado de te teres irritado e, logo a seguir encontras,
perdido no meio da tralha, um desenho que ele fez sobre ti, toda envolta em
corações e arco-íris. E o coração quase pára.
Ainda ontem tive de castigar o meu filho, porque agora à
hora do jantar, dá-lhe sempre para fazer uma mise en scène em que se
finge quase adormecido à mesa (quando há um minuto estava aos pulos no sofá) a
ver se se escapa ao prato da refeição. Disse-lhe "muito bem, tens sono
então vais já para a tua cama dormir. Não precisas de comer mais, lavas os
dentes e deitas-te. Mas, claro, que hoje não brincamos nem há história".
E, então, começa uma enorme birra, na qual eu também entro, serenamente firme
na minha decisão. Ele chora compulsivamente, pois quer a história e eu
permaneço irredutível, mas com o coração a latejar de dor. E assim que ele
adormeceu, ainda de lágrimas no rosto, chorei também.
É assim, do 8 ou 80. Num minuto estás fula da vida com a tua
criança e, no seguinte, estás de coração derretido por ela. Ou o contrário, num
momento estás a transbordar de um amor que quase te sufoca, e imediatamente
depois sentes-te despedaçada com algum gesto mais ingrato.
Nestas oscilações, o nosso pobre coração de mãe fica,
obviamente, meio esquizofrénico, não há hipótese... O que vale é que o Amor
(quase) tudo cura. Isso ou Valium.
N.
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